sábado, 7 de dezembro de 2024

A espuma dos dias

O que se retira e espera da ilustração, das leituras, dos filmes, das exposições, das viagens, é só isto: uma efervescência que permite duvidar, arriscar mais um passo, ter um vislumbre proibido, forjar uma condição assustadoramente humana. Tudo o mais é vaidade e água benta.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

O regresso

O retorno à vida civil. Às palavras que aconchegam como uma braseira. Às palavras sussurradas pelo amor e só pelo amor. À docura que se pode encontrar na aspereza das pedras. Às gargalhadas sãs numa roda de amigos. Ao percorrer de uma corda esticada sobre os espelhos desfeitos. Aos nomes antigos das ruas que me levam a parte nenhuma. Aos pássaros rasantes que nos tocam e nos deixam.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Estrela cadente

Ela passou por nós, sem uma palavra, arrastando os pés. A intencionalidade do movimento superava em muito a sua velocidade. No final, só se ouviu o ruído do interruptor do aquecedor a óleo, que de repente se tornou a sua razão de viver. Tic!

sábado, 23 de novembro de 2024

Vento

Beijar-te de novo. Ir à frente das palavras. Chegar quase lá. Quase esquecido do exílio. Quase completo. Perto. Continuar a fazer-te sinais. Prontos para o crepitar das fogueiras. O cheiro a alfazema. O vento que nos embala e nos deixa.

O Suspiro de Ulisses, já em Itaca

De mansinho, o regresso. Evanescente. Palavra usada para trocar as voltas ao corrector. Que não a reconhece. Toma, toma! Alguns já dormiam tranquilos, aconchegados num putativo encerramento do estabelecimento... É verdade, vá lá, temos que admitir! Mas o sossego acabou, vates suspirantes da paróquia! Territoreantes comuns! Conviventes do encantamento! Grandes inquietações aí vêm. Tranquilos! Não vou entrar pelas extremas de ninguém. A propriedade é sagrada! Ainda mais a simbólica. E há que ter um módico de humildade. Porém, é sempre esta inquietação, este delírio cinzento! Que só conhece um caminho, a luz. Insectívoro, noctívago. Noites vagantes, garras prontas...

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Molhem-se

A chuva aconselha uma colheita de pensamentos originais, desalinhados, clarividentes, de uma circunspecção à prova de fogo. Por conseguinte, deveria destilar um brilhante silogismo, um naco de ironia, uma posta de saber com provas dadas, que se sustem à beira do abismo do auto convencimento, um vôo poético de fazer inveja, uma carga certeira no bombo da festa do momento, um feixe de luz para um sentido oculto, um casus belli desencantado onde ninguém esperaria, o xeque-mate numa polémica à beira da caducidade, tudo isso, o exercício de austeridade virtual, o mantra cibernético, a erudição prostituída, o cheirinho a obscuridade, só porque sim, ou porque não, a solidão desfeita e refeita. Contudo, por mais que tente, é a alquimia que não sai, que se tornou impossível, porque basta estender a mão e respirar.

Urgente

Beija quem tens ao lado. Com fervor. Entrega-lhe em mão o que está antes das palavras. Diz-lhe que são os únicos habitantes de uma cidade em chamas. Faz sinais incompreensíveis. Deixa que as palavras férteis cheguem primeiro. Não pares. Não faças linhas rectas. A morte sairá de mãos vazias.