terça-feira, 13 de setembro de 2016

IV

Um dia, sabemos bem,
deixa-nos o sussurro misterioso das aves, 
o odor das searas,
o sol escondido nas uvas maduras. 

Um dia, abandona-nos a dança feliz da luz
antes de se enroscar aos nossos pés. 

Um dia, as tuas mãos abertas ficam vazias,
como duas taças viradas para o céu, 
depois de bebermos o mais suave dos vinhos.

Um dia, perdemos de vista o chão da tribo, 
onde nos consumíamos no cimo do fogo, 
a poeira dos caminhos, o balanço das árvores,
o sopro ligeiro da aurora.

Um dia, sabemos bem, 
só temos o desfiar dourado do leite materno.

E de repente, a paisagem fica deserta,
as sombras fustigam as áleas e as fontes.
Como que chamando para um duelo numa floresta,
onde se chega por um caminho de pedras brancas,
que atravessamos com uma carta na mão.
 
Acreditamos que, então, 
o brilho do céu leva as aves a suspender o voo,
ou os relógios se envergonham
por não conseguirem enganar o tempo,
ou que a velha mentira talvez nunca regresse.

E que algum viajante nos diga,
sim, podemos brilhar,
no meio das palavras que abraçamos
e estão fora do nosso alcance.

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