domingo, 9 de outubro de 2016

Um poema de Arseni Tarkovski

VIDA, VIDA

Não acredito em pressentimentos,
e augúrios não me amedrontam.
Não fujo da calúnia
nem do veneno.
Não há morte na Terra.
Todos são imortais.
Tudo é imortal.
Não há que ter medo da morte aos dezassete,
ou mesmo aos setenta.

Realidade e luz existem, mas morte e trevas, não.
Estamos agora todos na praia, e eu sou um dos que içam as redes,
quando um cardume de imortalidade nelas entra.

Vive na casa e a casa continua de pé.
Vou aparecer em qualquer século.
Entrar e fazer uma casa para mim.
É por isso que teus filhos estão ao meu lado
e as tuas esposas, todos sentados numa mesa,
uma mesa para o avô e o neto.
O futuro é consumado aqui e agora.
E se eu erguer levemente minha mão diante de ti,
Ficarás com cinco feixes de luz
Com omoplatas como esteios de madeira,
eu ergui todos os dias que fizeram o passado.
Com uma cadeia de agrimensor, eu medi o tempo.
E viajei através dele como se viajasse pelos Urais

Escolhi uma era que estivesse à minha altura.
Rumamos para o sul, fizemos a poeira rodopiar na estepe ervaçais cresciam viçosos;
um gafanhoto tocava,
esfregando as pernas, profetizava e contou-me, como um monge, que eu pereceria.

Peguei meu destino e amarrei-o na minha sela;
e agora que cheguei ao futuro ficarei erecto sobre meus estribos como um garoto.

Só preciso da imortalidade
para que meu sangue continue a fluir de era para era.
Eu prontamente trocaria a vida por um lugar seguro e quente,
se a agulha veloz da vida
não me puxasse pelo mundo como uma linha.

(Tradução do russo de Jefferson Luiz Camargo)
Lido pelo autor no filme "O Espelho", de Andrei Tarkovski

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