domingo, 22 de setembro de 2024

Os intelectuais e o poder

Os intelectuais não foram feitos para ocupar o poder. E nem sequer para serem os seus oponentes, mas sim o seu contraponto. É da natureza das coisas. Dramático? Nem por isso. Mesmo os chefes da máfia mais conhecidos nunca dispensaram os seus consiglieri. O cinema acrescentou os psicanalistas, mas só por exigência narrativa. Os intelectuais não lidam bem com as exigências práticas do jus imperii. Mas nem por isso ficaram arredados do poder. Bem pelo contrário. Um tirano sempre se rodeou de um mentor, ou de uma consciência falante, Os monarcas avisados nunca dispensaram o histrião. Alexandre teve como mestre Aristóteles. Napoleão nunca chegaria onde chegou sem os conselhos do astuto Talleyrand. Isabel I só conseguiu sobreviver às conspirações católicas graças à vigilância de Walsingham. Voltaire inspirou Catarina da Rússia e Frederico da Prússia. Almeida Garrett precipitou a revolução de Setembro e foi um dos autores da constituição de 1836. E por aí adiante. Nem mesmo os casos de Sir Thomas More, executado por ordem de Henrique VIII, e Cícero, morto pelos esbirros de Marco António, são excepções à regra. Simplesmente aconteceu que as razões de Estado se sobrepuseram às suas. Motivo? Os intelectuais conseguem perceber os mecanismos do poder como ninguém. Os mais cínicos tornam-se assessores. Os mais loquazes tornam-se comentadores. Os mais esforçados constroem tratados, edifícios de exegese, sistemas filosóficos acerca da sua natureza. Os mais doutrinados ainda se chegam à frente, provando um cheirinho. Mas rapidamente se desiludem, transformando a decepção em azedume guerrilheiro. Veja-se o caso de Pacheco Pereira. Outros entram e saem, mas sem nunca sujarem as mãos: Benjamim Franklin, Alexandre Herculano, Malraux. Ser líder político está muito para além da política convencional. Abrange realidades como chefes de grandes organizações criminosas, chefes militares insurrectos, teocratas, etc. Seja como for, em todos eles recai a terrível responsabilidade de tomar decisões. Ora, um intelectual não suporta esse peso. Desenvencilha-se dele, a todo o custo. E coloca-o em cima de alguém, para em seguida lho aligeirar.

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