segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Os bons costumes

STENDHAL, nas suas 'Memórias sobre Napoleão', a certa altura, dá conta do feliz encontro entre as tropas francesas e a cidade de Milão. Os exércitos republicanos eram comandados pelo jovem corso, recém promovido a general de divisão, durante a sua campanha vitoriosa e prestigiante em Itália. Napoleão foi recebido em júbilo, por uma cidade requintada e poderosa, como libertador do jugo austríaco. Num tempo de efervescência romântica - entre jovens oficiais do exército republicano e damas milanesas de fino porte, cuja beleza não desmerecia as maneiras - não é de estranhar a quantidade de episódios sentimentais ocorridos durante a permanência dos libertadores na capital da Lombardia. Mas Stendhal faz notar algo que deixou os franceses espantados. Sobretudo porque a maioria vinha da província, desconhecendo a cocqueterie parisiense. Refiro-me ao CAVALIER SERVANT, uma instituição modelar na Itália daquela época. Tratava-se de uma espécie de 'cavalheiro de companhia', para senhoras casadas da aristocracia e alta burguesia. Nomeado pelas próprias, com a bênção do marido e ampla tolerância da sociedade. Ou seja, um confidente, acompanhante, entreteneur e, last but not least, amante. Eis um costume sábio e a contento de todas partes: para o marido, que prevenia surpresas desagradáveis e poderá, por sua vez, ser o servidor de outra dama; para a mulher, que assim materializa os seus anseios romanescos e escapa ao perigoso tédio conjugal; e para o cavalier, que conta com os favores femininos sem os respectivos encargos. E assim se salva a instituição conjugal. Tudo isto, numa outra perspectiva, acaba por impor um travão à vaidade masculina. Só espero que o bom senso reponha em uso tão gracioso costume.

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